As rinhas humanas vão continuar

              Uma frase do deputado José Mentor, do PT de São Paulo, resume o problema central das chamadas artes marciais mistas (MMA), que a cada dia ganham mais adeptos no Brasil: “Proíbem rinhas de canários e de cavalos porque machucam o animal. Como não proíbem a rinha humana?”. Mentor não falou das rinhas de galos, também proibidas, na frase citada em reportagem, assinada por Marcela Mattos, publicada no domingo pelo Correio Braziliense. O que a matéria discute – e que tem sido raro na imprensa – é se o MMA e seus torneios, denominados UFC, são modalidade esportiva em ascensão ou espetáculo sangrento. As fotos de lutadores ensanguentados por si só respondem: é show mesmo, e da pior qualidade – espetáculo de violência incompatível com o século em que vivemos. Muito longe de ser esporte, muito perto da barbárie.
                Mentor apresentou um projeto de lei proibindo a transmissão de lutas marciais não olímpicas na televisão. Contra ele, estão parlamentares que trabalham para impedir a aprovação da medida, como o senador Magno Malta (PR-ES) e o deputado Sérgio Guerra (PE), presidente nacional do PSDB. O próprio Mentor sabe que será difícil a aprovação de sua proposta. “É uma luta que está sendo muito explorada financeiramente e que tem uma projeção mundial”, diz ele na reportagem. “Mas mais difícil ainda é ficar sem fazer nada”, completa. O deputado sabe que além de enfrentar os senadores e deputados aliados ao poderoso chefão do UFC, o estadunidense Dana White, terá contra ele os lobbies da Globo e de toda uma rede de negócios montada em torno do espetáculo em que dois homens se enfrentam em uma luta selvagem diante dos gritos histéricos de homens e mulheres que bem mereciam algum tipo de análise psicológica. Entre os histéricos, o principal apresentador esportivo da Globo, Galvão Bueno, o que mostra a importância que a emissora dá aos shows.
                Como mostra a matéria, Mentor tem um bom aliado: o ex-pugilista Éder Jofre, campeão mundial de peso galo e peso pena. “Perto disso, o boxe é uma amorzinho”, diz Jofre, para quem MMA “não é esporte, é assassinato”. A própria reportagem, porém, cita números de lutadores mortos que não absolvem o boxe, pelo contrário. É também violento e causa mortes e lesões irreversíveis, mas Éder Jofre tem razão: as duas lutas não se comparam em termos de violência. E os boxeadores amadores, os que disputam os Jogos Olímpicos, lutam usando capacetes para proteger o rosto e as regras são bastante restritivas.
                A matéria de Marcela Mattos conta o que outros órgãos de imprensa, animados com a alta audiência do MMA, escondem. Como o fato de que três lutadores, pelo menos, morreram desde 1998, o último deles em 2010. E que as lutas estão proibidas em Nova York. Fica-se sabendo também que em 2010 houve uma reunião da Associação Médica do Canadá para avaliar os impactos da modalidade. A conclusão foi de que o MMA provoca traumas na cabeça e outras lesões que podem se refletir em toda a vida dos lutadores. Os médicos do Canadá sugeriram que o “esporte” seja banido do país.
                Mas no Brasil, em que os negócios sempre sobrepõem às preocupações com educação e saúde, isso dificilmente acontecerá. As chances de Mentor ver seu projeto aprovado são pequenas. As rinhas humanas continuarão, para delírio dos que gostam de ver dois homens se agredindo, se machucando e espalhando sangue por todo lado. E dos que, graças aos que vibram com cenas de violência, ganham muito dinheiro com esses massacres legalizados.

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